Hoje não vos darei flores. É algo que adoro dar (e também receber), mas há rotinas que esvaziam a importância dos dias.
Hoje vou privilegiar o direito universal a mostrar os mamilos (e portanto queimar todos os “soutiens” que nos sustêm a liberdade) e a não rapar o buço.
Sou “feminista” desde que tenho consciência do sentido dessa palavra. Cresci entre mulheres (apesar de haver muitos homens na família), e sempre preferi ficar do lado delas nessa época em que as reuniões tendiam a segregar os sexos.
Porém, agora, é só pessoas que conheço. Algumas têm as mamas mais proeminente (mas muitas dessas são homens que exageraram no índice de massa corporal) e há muitas mulheres que as não têm porque fizeram mastectomia. Algumas usam cabelo comprido, outras curto, outras rapado – também às vezes por causa do cancro. Algumas sentem-se bem no corpo que têm, outras acham que se encontram num corpo errado. Se soubesse pintar e quisesse ser fiel ao que vejo, teria que ter uma paleta desmesurada para tantos tons de pele.
Sexualmente, calhou-me ser hétero. É uma característica que não se escolhe e que me leva a ser atraído por mulheres e não por homens.
Mas isto (este texto, este dia) não é sobre sexo, é sobre género. Uma das muitas características em que as pessoas se podem dividir, como as que já evidenciei e milhentas outras.
Por exemplo, ter olhos cuja tonalidade muda consoante a luz, que é uma das minhas especificidades anatómicas. Numa sociedade em que, por qualquer motivo, isso fosse considerado anormal, eu correria o risco de ser segregado.
Ora, o maior avanço civilizacional a que tivemos o privilégio de assistir, neste início de século XXI, na sequência dos progressos do século XX, foi um consenso generalizado, nas principais instâncias internacionais, de que toda a e qualquer característica atribuível às pessoas não pode servir, de modo algum, para as discriminar.
Claro que estamos ainda muito longe de o transformar numa prática generalizada, mas há países, entre os quais Portugal, em que a legislação já aprofundou muito esse caminho.
E, hoje, ninguém (pelo menos publicamente) admitiria que não se caminhasse, no nosso país, para a igualdade de género.
Ninguém?!
“Garanto-vos uma coisa, aquele dinheiro todo que vamos dar às ideologias de género, supostamente para promover a igualdade de género. Eu vou pegar nesses milhões todos e vou dizer a essas associações todas: Esqueçam, que não vão receber um tostão”.
Há um candidato às eleições de domingo que diz isto, entre os muitos berros que dá, e que quer ver de volta o “Deus, pátria e família”, chefiada pelo homem e com a mulher na cozinha.
Hoje não vos darei flores. Deixo-vos nas mãos (cansadas de uma semana de trabalho oficial, mais o oficioso lá de casa que não dá folgas) uma caneta.
Com ela podeis mudar o mundo. Dizer, com uma simples cruz, que não quereis de volta o Portugal rançoso em que as vossas avós eram gente de segunda.
E então, afastando do poder esses salazarentos, em Abril hei de vos dar cravos.
Nuno Garcia Lopes
escritor