Enquanto aguardava que chegasse a hora do início da sessão, o escritor acercou-se do músico e pediu-lhe a guitarra emprestada para tocar uns acordes. Podia ser uma passagem de um romance, mas foi o que aconteceu ontem, à entrada da noite, na Biblioteca Municipal de Tomar. Protagonistas, o escritor João Tordo e o professor José Morgado que, com Júlia Quadros, lhe dedicou duas canções antes da conversa com os leitores acerca do seu livro mais recente, “O nome que a cidade esqueceu”. A vinda do autor a Tomar estava prevista para a Feira do Livro, mas uma tempestade e acidentes a bloquearem a autoestrada, impediram então que chegasse ao destino. Veio agora, cansado de uma “tournée” de apresentação da obra que há meses o tem levado a diversos pontos do país, mas com esse espírito desempoeirado que facilita a empatia com os que o ouvem e o possam ler. Empatia, uma palavra que tem origem no “pathos” grego, de que falou amiúde, o mesmo vocábulo que entra na composição de “apaixonado”. Ferramentas que lhe ficaram do curso de Filosofia, antes de se deixar amadurecer o suficiente para fazer da escrita literária uma profissão, que diz ser fisicamente desconfortável e próxima da insanidade mental, quando se passam os dias a falar com pessoas imaginárias e a viver até as suas vidas. Em 1992 passou por Nova Iorque a primeira vez (haveria de lá estudar, mais tarde, escrita criativa). Em 2015, uma notícia do New York Times deu-lhe o mote para o livro mais recente: a morte de um homem que, em plena Big Apple, vivera anos em total isolamento. Começou a escrever “O nome que a cidade esqueceu” em 2019, e acabaria por fazê-lo… em total isolamento por causa da pandemia. Na cidade que nunca dorme, uma rapariga, Natasha, refugiada da Georgia depois do fim da URSS, e um homem, George, que não sai de casa e lhe oferece um emprego para ler a lista telefónica em voz alta. Um conjunto de personagens inadaptados na imensidão da cidade. E Hector, o contraponto a todo esse caos, no seu perfil de origem grega.
O escritor mais uma vez a tentar entender a mecânica do mundo, através da tensão entre pontos contrastantes. Os leitores à procura também de entenderem a mecânica da escrita, como se harmonizam os conflitos narrativos com as rotinas e os sobressaltos da vida real do autor. Uma noite bem passada, em conversa amena com João Tordo, secundado na mesa pela vereadora Rita Freitas e por Nuno Garcia Lopes, em mais uma iniciativa de parceria entre o Município e a Livraria Nova. “À vol d’oiseau”, o colóquio terminou com o pardalito que povoa as últimas páginas do livro. Antes falara-se em personagens históricos pouco recomendáveis e os livros devem abrir sempre uma janela para o voo.