Parece que foi ontem e, num ápice, 29 anos se passaram na vida de um rancho deste concelho, que segundo o lema de Manuela Santos que o ensaia e cria o espírito do grupo, num grupo de 50 elementos “o rancho de Alviobeira vai bem, obrigado”. Alviobeira – um nome por vezes de difícil soletração, é a aldeia somente onde foi nasceu e está sediado o rancho, que quando o rancho nasceu em 1988, era sede de freguesia autónoma e que hoje vive a realidade de uma agregação em união de freguesias.
Porém mesmo antes dessa união de freguesias, o rancho sempre agregou jovens das freguesias vizinhas, do vizinho concelho – de Ferreira do Zêzere, por vezes e quase sempre em maior número que os da própria freguesia; pois o folclore e a participação não tem fronteiras – é de uma região. Aqui numa zona de transição entre o Ribatejo e Beiras, o seu nascimento e manutenção tem cimentado a divulgação do nome da terra, dos usos e costumes e, em três décadas de vida, “pulou” para além do tradicionalismo do folclore, e transformou-se num projecto dinamizador cultural, que tanto dança folclore, como representa dança contemporânea, espectáculos de imobilismo, teatro, canto, mercados de rua, e recriações etnográficas, ciclos dos trabalhos do campo – fruto da imaginação da sua ensaiadora a que os componentes depois dão vida.
Isso mesmo foi referido pela Presidente de Câmara Anabela Freitas, na recepção aos grupos, neste festival e folclore, quando referiu o espetaculo “Pulsações” levado à cena no Cineteatro em Tomar. Depois o temos o “Andaime” e quem sabe o que irá por ai aparecer. As paredes da nossa aldeia com fotos gigantes do rancho em dança, são o cartaz de visita de uma aldeia, que com cada vez mais número de idosos, e casa devolutas, que não se desertificou porque existe o Rancho de Alviobeira. Contra factos não há argumentos e como refere a Manuela Santos “se há vinte e nove anos atrás o desfaio era grande, hoje ele é ainda mais desafiante. Deparamo-nos com novas realidades sociais e culturais, como uma geração diferente daquela que existia, com mais e variadas ofertas culturais, o que tem afastado os jovens dos ranchos e das associações. Felizmente que por cá esse afastamento não se sente, no entanto é preciso um esforço adicional para não ficarmos parados e agarrados ao passado, reinventando e inovando continuamente”
Neste festival e folclore, como é habitual convidam-se outros grupos e aqui começando pelo Minho, mais propriamente Guimarães, onde a etnografia, a dança e a melodia difere e marca uma região, onde o sangue minhoto e quem sabe galego moldou o ADN de um povo, que vive a festa, veio o rancho Folclórico de Vila Nova de Sande. Mais abaixo e da região Coimbra ou Beira Litoral, de Eira Pedrinha, uma aldeia de Condeixa a Nova, veio como convidado o Rancho Folclórico e Etnográfico de Eira Pedrinha. De Cernache do Bonjardim o rancho da sua Casa do Povo, que contrariamente ao que os grandes “pensadores” do folclore caracterizam as danças da região da Beira Baixa- Pinhal Interior, como lentas e tristes, tem um folclore bem diferente, ritmado e melódico, de uma terra Cernache, onde nasceu Nuno Álvares Pereira, da qual Alviobeira por via das célebres “curvas de Alviobeira” da velha EN 238 foi a via principal de ligação desta freguesia e da zona da Sertã, durante décadas entre Tomar e Lisboa e por onde em tempos as diligências da Viação Sernache, levaram e trouxeram alunos que se formaram no Instituto Vaz Serra, bem como os que deixaram Cernache e se fixaram na região de Tomar e Lisboa e, por onde passou o Rei D. Carlos na suas idas para as caçadas Reais nos Vales ou o “pai “ do hino nacional Alfredo Keil e que tem a particularidade de ir com Ciros a Nª Srª do Pranto a Dornes, como vai Alviobeira há 150 anos.
Por último entrou em palco o último rancho da noite do Freixial- Arrabal – Leiria e com a abertura do festival pelo rancho da casa e por esta ordem, proporcionaram uma noite cultural/recreativa que deu mais vida a Alviobeira e que nestes 29 festivais de folclore, graças a haver um rancho local, já trouxe à terra mais de 100 grupos de Norte a Sul, faltando os grupos das ilhas ou a presença de grupos internacionais, que não são convidados, pois a permuta de ir depois pagar a visita, se torna complicado, já que o folclore é uma parente pobre da cultura, vive da carolice, de parcos subsídios da junta e câmara; jamais atingiu um estatuto na lei de ser passível de mecenato cultural, de apoios oficiais a nível do Ministério da Cultura, em todos os governos pós 25 de Abril, se bem que movimentando milhares de jovens e pessoas, contribuindo para o turismo interno e economia, no aluguer e autocarros, trajes, pagamento a músicos e compra daquilo que necessita para viver, nunca teve na Federação do Folclore Português, gente com visão e “peso” que obrigasse a Assembleia da República e legislar um verdadeiro estatuto de utilidade pública e ter apoios como tem os museus nacionais o IGESPAR e afins. Por isso depreciativamente entrou na nossa gíria e na gíria do hemiciclo de S. Bento, a terminologia “ isso é folclore” como algo que não seja para levar a sério- o que é pena!
Como sempre o festival tem uma história ou um tema, e o deste ano foi dedicado aos lenços de cabeça, que outrora eram de extraordinária importância na indumentária feminina. Pretendeu e bem o rancho, assim evidenciar o valor cultural de uma peça de vestuário, imprescindível e característica do quotidiano rural das mulheres que foram nossas bisavós, avós, e mães. Quem não se lembra das diversas formas que cada uma tinha de o atar – de o prender à cabeça? Com as funções de aconchego, protecção do frio e do sol, mulher no campo sempre o usou, desde que cresceu como mulher e só não o levava na sua mortalha! António Freitas