Em Santarém existe algum do mais importante património nacional em termos de túmulos religiosos, enquanto a Biblioteca Municipal possui um dos mais ricos espólios do país de antigos vestígios de heráldica de grande relevância para a história portuguesa. Estas foram algumas das revelações proferidas no auditório da Casa do Brasil, durante a primeira sessão de um ciclo de palestras que se realizam no âmbito da exposição que se encontra patente neste espaço e também na Biblioteca Municipal, intitulada ‘Braamcamp Freire – O génio poliédrico’. A primeira comunicação pertenceu ao historiador Miguel Metelo de Seixas, que falou sobre ´O estudo da heráldica e a valorização do património armoriado de Santarém: homenagem a Braamcamp Freire’. “Poucas cidades têm um património tão substancial” em termos de heráldica municipal”, pelo que “valorizar este património é homenagear Braamcamp Freire”, defendeu o investigador. Por isso, como “parte integrante da história”, é “impossível falar de Anselmo Braamcamp Freire sem falar de heráldica”, dada a “biblioteca de referência do ponto de vista heráldico” que o estudioso, apontado como “o pai da heráldica científica”, reuniu ao longo da vida. É mesmo “a única especializada nesta área particular da heráldica portuguesa”, garantiu Miguel Metelo. A importância de um vasto espólio existente no Museu Municipal de Santarém (MMS), que tem na sua reserva vários exemplos deste “património religioso e da alta nobreza”, sobretudo de “linhagens ligadas a Santarém” e associado às classes sociais com poder económico, só pode “ser comparado com o do Museu do Carmo, em Lisboa”, considerou.
Miguel Metelo, que disse rejeitar a ideia da existência daquilo a que chamou de “museu-túmulo”, onde apenas “se depositam artefactos salvos da destruição”, mostrou-se surpreendido com o amplo conjunto de peças armoriadas das coleções que encontrou no MMS. Perante tal diversidade, quer pela tipologia que inclui túmulos, pedras de armas, lápides sepulcrais, pedras de fecho de abóbada ou capitéis, quer pela cronologia identificada, que remete para o período da Idade Média até ao final da Idade Moderna, o historiador considerou que Santarém terá mesmo a nível nacional o mais importante museu na área da heráldica. Nesse sentido, referiu o estudo que o Município de Santarém encomendou no âmbito de uma candidatura à Rede Portuguesa de Museus, que se encontra em fase de conclusão, e que permitirá futuramente divulgar todo este importante património heráldico. O historiador recordou também a “acção destruidora” registada no século XIX, em Santarém, e também em todo o país, que resultou numa importante “perda patrimonial. O vandalismo atingiu Santarém de forma terrível”, o que leva a constatar que terá chegado até aos nossos dias apenas uma pequena parte do imenso “património eclesiástico da cidade, dada a existência e a quantidade de edifícios religiosos” que a antiga vila terá possuído ao longo dos séculos. Curiosamente, foi também aqui que se verificou uma “reação ao vandalismo intensa”, que terá estado na origem e no “pioneirismo” da cidade que assistiu à formação de uma associação de protecção do património, “uma das primeiras a ser criada em Portugal”, lembrou o investigador, também professor na Universidade Lusíada de Lisboa (ULL), onde dirige o Centro Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos.
Cidade tumulária – ‘A escultura tumular de Santarém nos séculos XIII e XIV: algumas especificidades’, foi o tema da segunda palestra do dia, a cargo de Carla Varela Fernandes, historiadora de arte e professora auxiliar de Arte Medieval, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde integra o Instituto de História da Arte e Instituto de Estudos Medievais, sendo especialista na área da escultura medieval e, especialmente em estudos iconográficos. Ao longo da sua comunicação, a docente salientou que grande parte da “especificidade da história de Santarém tem a ver com tumulária”. A cidade é testemunha de uma “pujança” que não voltou a ser registada no país, tal como se verificou ao longo dos séculos XII e XIV. Carla Varela Fernandes salientou “a excecionalidade deste património, único no panorama nacional” que faz de Santarém “um dos melhores exemplos no país”, sobretudo, “tendo em conta os monumentos da cidade, bem como os deslocados ao longo dos tempos”, nomeadamente para Lisboa. Dada a “diversidade enorme de sepulturas”, atribuídas a vários mestres escultores dos séculos XII e XIV, a historiadora revelou ter identificado um número significativo de “túmulos e lápides funerárias do século XIV, o tempo da afirmação do mundo urbano”, e também “a altura em que foram erguidos muitos dos monumentos góticos existentes na cidade”. Perante esta prática, “sobretudo reservada às classes mais abastadas que podiam suportar os custos deste tipo de sepulturas”, Carla Fernandes estudou, descreveu e interpretou a decoração das arcas funerárias e dos túmulos que existem na cidade. “Os túmulos de Santarém precisavam, pelo menos, de 30 minutos para cada uma das arcas funerárias”, alegou. A “arte funerária” que encontrou em Santarém, permite identificar “a afirmação do estatuto social” de quem encomendou as peças. Por isso, realçou os “pormenores únicos existentes nas arcas”, e de como certas ‘modas’ podem ajudam a identificar e localizar “um tempo muito específico”, dado o “desconhecimento e a falta de documentos” sobre os artistas e as respetivas oficinas onde os monumentos foram talhados. Em termos de motivos e de heráldica esculpida nas diferentes lápides, a historiadora destacou as cenas da vida quotidiana, como a caça ou representações de quadros de natureza que mostram a “arte gótica no seu esplendor”.
Apesar de toda esta riqueza de património histórico tumular, Carla Varela Fernandes lamentou as características atmosféricas da região, que estão longe de ajudar a preservar os vestígios do passado. “O calcário de Santarém vai-se desfazendo”, trata-se de uma “pedra difícil de conservar”, que regista uma enorme “facilidade em deteriorar-se”, constatou. Para a próxima sessão, na tarde de 15 de abril, foi convidado o historiador Fernando Rosas, que vai apresentar uma palestra sobre a ‘Queda da Monarquia e emergência da República’. Na tarde de 6 de maio, Raquel Henriques da Silva fala sobre ‘O gosto pela arte e pelo colecionismo nas elites intelectuais de Oitocentos’ e a 3 de junho, Jorge Custódio recorda as ‘Estruturas de estudo e defesa património na 1ª República’. Para o mês de julho, ainda sem data indicada, José Miguel Sardica, vai lembrar o ano de ‘1910 – Revolução Republicana’.