Está patente na Biblioteca Municipal Dr. António Baião, de Ferreira do Zêzere, uma exposição de desenhos de Alfredo Keil entre 1896 e 1903. O concelho foi inspiração para o músico, pintor e escritor onde esteve várias vezes. Aqui registou a carvão, as paisagens, as gentes, as festas e romarias, o povo e o trabalho agrícola, o Zêzere, os monumentos e as casas de habitação. Escreveu poemas e canções sobre lendas e histórias de Ferreira do Zêzere e compôs para instrumentos de sopro a sua marcha “A portuguesa”, hoje, Hino Nacional. Na Estalagem da D. Aninhas cruzou-se com o Rei D. Carlos que também apreciava o concelho de Ferreira do Zêzere para férias e principalmente para as caçadas.
“…Músico e pintor, não lhe faltava assunto. Saída de madrugada, escolhia o trecho de charneca, o penedo musgoso, a nesga de Choupana, que lhe falavam com maior ternura à sua alma de paisagista; compunha na palheta os tons brandos do céu amoroso, esboçava uns arvoredos, alegrava os quadros com tons vivos: uma aresta que o Sol riscava na casca rugosa de um pinheiro, uma trouxa de espuma iriada da rosa negra de uma azenha, um lenço vermelho de mulher, um tapete doirado de malmequeres num charco. Na volta do caminho vem uma pastorita fazendo meia e cantando. A toada é popular, sentimental. Depressa deixa os pinceis, tira o lápis, nota a canção. Na estrada da vida, assim vai pondo seus marcos feitos de cores e musicais, nas bem-ditas horas em que o artista, julgando descansar, faz seu trabalho mais fecundo. Mas nem o quadro com seu claro-escuro, suas manchas rápidas de vida em flagrante, seus primeiros planos pormenorizados, seus vulvos tons de meio dia ou véus de crepúsculo, nem as notas, por muito que em tão pouco possam conter duas dúzias de compassos, por mais recordações que um canto possa milagrosamente acordar, nem telas nem músicas repetiam ao artista o que sentira, o que sonhara, o que fora em horas quietas acumulando na fantasia pronta. Faltava-lhe a palavra, que é como no diadema burilado o diamante que se engasta, que remata a obra, que é todo o motivo dela. E por isso Alfredo Keil fez seus primeiros versos, a matar uma sede de seu espírito de artista. Sorria naqueles campos, meditara no alto da serra, sentira os corregos silenciosos, em que a noite desce mais cedo, o calafrio do mistério. Era força encontrar a palavra que dissesse enlevos, meditações, comoções profundas. Em meio das festas populares, arraiais, romarias, procissões, uma quadrinha maliciosa em boca de serrana era núcleo em que ele ia enrolando o fio da inspiração com que havia depois de tecer suas estrofes. Era luz o lindo olhar de uma mulher sadia; sorriso, o dito pitoresco, comentário ao conto galhofeiro; lágrima, uma velha cruz a recordar num sítio eterno uma tragédia antiga.
O que ele sentira em sua alma, o que sentia o povo nas suas alegrias e dores, procurou exprimir em palavras. Com elas quis explicar o seu trabalho de pintor e de elas fazer legenda aos seus quadros; quis que as notas das suas canções gemessem melancólicas ou brilhantes, vibrassem sobre as silabas sonoras da nossa língua, da língua dulcíssima falada pelas serranas que o inspiraram e logo fizeram dele um poeta. Daí a composição deste livro raro, em que Alfredo Keil se nos apresenta com todas as suas aptidões, em dois ramos da arte como mestre vitorioso, noutro agora buscando uma nova consagração. Mas o artista em tudo se revela. Se o pintor e o músico nos falaram já muitas vezes do poeta, é o poeta agora quem nos descreve paisagens da nossa terra, nos diz a poesia de suas canções.” João da Câmara, Excerto do prefácio ao livro “Tojos e rosmaninhos” de Alfredo Keil.