Faça chuva ou faça sol, na Segunda-feira de Páscoa, sai da Igreja de Chãos/Ferreira do Zêzere o “círio da freguesia” rumo a Dornes. Manda a tradição que o grupo vá a pé rezando e este ano por promessa a Sandra Cátia Graça Gonçalves de Jamprestes que mora em Lisboa, por promessa levou a bandeira e atrás de si, rumo Areias e depois pela serra de S. Saturnino fora, direitos a Galeguia e Frazoeira um grupo de fiéis. Foi, segundo a lenda, e segundo o que tem sido publicado por historiadores de Ferreira que, graças a um milagre da Rainha Santa, que teve início o culto a Nossa Senhora do Pranto.
Quando do seu casamento com D. Dinis, D. Isabel teria recebido como dote estas terras de Dornes. Aqui seria seu feitor Guilherme de Pavia, homem tão crente e bondoso que era tido como Santo. Vivia perto da ermida de S. Guilherme, junto à ribeira com esse nome, já perto da vila. Diz-nos a lenda que o feitor, durante a noite, começou a ouvir um choro e gemidos dolorosos que vinham do outro lado do rio. De dia, por mais que buscasse entre os matos da serra Vermelha, de onde parecia chegar aquele pranto noturno, nada encontrava.
Intrigado, resolveu dar conta à rainha do estranho acontecimento e pôs-se a caminho de Coimbra, para tudo lhe contar. Porém, assim que chegou e antes dele falar, já D. Isabel sabia a razão que ali o levara. Indicou-lhe o local exato onde devia procurar e logo lhe disse que iria encontrar uma imagem da Virgem com o Filho morto nos braços. Guilherme voltou a Dornes e logo partiu para o outro lado do rio (Vila Gaia, freguesia de Sernache do Bonjardim), indo encontrar a imagem, exatamente, no local indicado pela rainha. Veio depois a Rainha admirar o achado que mandou erguer uma capela. À terra chamou Vila das Dores, a actual Dornes.
Da outra margem do rio (Sernache) o povo contestou e revoltou-se porque reclamavam para si a imagem que tinha sido encontrada na Serra da Vermelha, pertencente àquela localidade e termo da Sertã e não a Dornes. Por diversas vezes a quiseram levar e outras tantas vezes a imagem de Nossa Senhora do Pranto com seu Filho nos braços desapareceu misteriosamente e voltou a aparecer em Dornes, no seu lugar, no altar da Ermida. O primeiro registo conhecido que atribui um milagre a Nossa Senhora do Pranto, data de finais do século XVII (1697). Ao longo do tempo, segundo a paróquia o número de Círios em peregrinação à igreja/Santuário de Nossa Senhora do Pranto tem oscilado entre as três e as quatro dezenas.
Entenda-se como Círio a peregrinação religiosa de um grupo de romeiros, formado pelos habitantes de uma povoação, culminando na visita a um templo/Santuário, em pagamento de uma promessa coletiva. De acordo com José Leite de Vasconcelos, a designação de Círios (aplicada a romagens do mesmo tipo em outros santuários da Estremadura) deve-se ao facto de, inicialmente, e ainda no começo do século XX, cada grupo de romeiros transportar o resíduo do Círio Pascal que ardera durante a Semana Santa na igreja paroquial da respetiva povoação.
Em meados do século XX vinham até Dornes, entre vários outros, Círios de concelhos como Miranda do Corvo, Condeixa, Penela, Ansião, Figueiró dos Vinhos, Alvaiázere, Ourém, Tomar ou Sertã. Já aqui se deslocavam no século XIX e continuam a fazê-lo no século XXI. Vários concelhos, distritos diferentes e dioceses diferentes. Atualmente, os círios de Dornes concretizam-se entre a Segunda-Feira de Pascoela e o 3º Domingo de Setembro, sendo o ponto mais alto das peregrinações no dia 15 de Agosto, dia de grande festa em Dornes. António Freitas