É de louvar as iniciativas editoriais da Fundação Maria Dias Ferreira e dos seus instituidores. A completar uma década, em 2018 ao serviço do concelho de Ferreira, nas mais diversas áreas e iniciativas, o mundo rural, foi uma das suas últimas apostas com a obra de 450 páginas e que tem como título “artes e ofícios tradicionais do concelho de Ferreira do Zêzere” , uma obra dos autores Rute Tavares, José Afonso de Sousa ( instituidor da fundação) e Cátia Salgueiro, e que foi lançado em Janeiro de 2018 numa parceria com a CM de Ferreira do Zêzere. No livro, ilustrado com fotos são descritas 31 profissões e foca os artesãos e os profissionais nas mais variadas profissões, algumas a acabar, ou a não ter seguidores, mas que no futuro irão fazer alguma falta.
Estas profissões, tão comuns a este concelho como a outros da região, são publicadas, numa recolha morosa e cuidada e com a ilustração das fotos retiradas do livro, vejo a profissão do latoeiro e de Manuel Godinho, que já não assistiu ao lançamento da obra, por falecimento e que certamente, dado o seu gosto pela escrita e ter sido colaborador da freguesia de Pias, no Despertar do Zêzere, iria rejubilar de alegria. Uma bonita homenagem a quem certamente nunca irá ter nome numa rua! Partiu no dia 25 de Janeiro deste ano, no ano em que ia completar 79 anos, tendo nascido a 5 de Outubro de 1939. De baixa estatura, era uma figura das Pias, quer na forma como organizava a irmandade nos cortejos fúnebres, quer na sua profissão de latoeiro, no Pereiro e, onde trabalhou uma vida fazendo, calhas, algerozes, funis, amotolias, alcatruzes de noras ou engenhos, regadores e aí fui muitas vezes levantar encomendas que meu pai lhe confiava nos algerozes para remate de telhados ou chaminés e calhas. E foram tantas. Depois no arranjo dos pulverizadores de cobre era mestre. Depois de terem acabado em Tomar alguns mestres da arte, foi descoberto para a feitura de coroas grandes e pequenas para a Festa dos Tabuleiros. Em ano de festa era de dia e de noite a fazê-las e certamente este artesão ou assim como as artesãs que fazem flores, jamais teve ou irão ter a honra de assistir ao desfile na tribuna da Câmara (sempre pejada de gente importante e vaidosa) que para a festa se limita a olhar e nada mais e a bater palmas.
Depois a panela famosa que confecciona o doce de Tomar, que já deveria ter sido classificado e inscrito como o Doce do Concelho de Tomar (de origem local certificada) – as Fatias de Tomar ou da China, que necessitam de panela própria. Mas adiante o Manuel Godinho do Telheiro de Baixo, adorava escrever sobre as suas Pias, no Despertar do Zêzere, e foi nomeado correspondente pelo “pai e fundador do jornal” José Martinho, que sabia que para o sucesso do jornal, tinha que cada aldeia ou freguesia ter o seu correspondente. A sua oficina do Pereiro, que foi de António Lopes, era um museu, com cortadeiras, fieiras, martelos, alicates, bancada e o soldador de estanho e os ácidos que tinha num púcaro da resina. Apesar de problemas de dicção, era um conversador e um contador de histórias e quando folheio o livro, agora editado e que tão bem o retrata, temos que dar os parabéns a quem, para memória futura, vai editando obras e, na imortalização do nosso amigo latoeiro, certamente um dos últimos de uma geração e de uma profissão que os tempos modernos mataram, mas que um dia ainda vamos sentir a sua falta, quando não seja para fazer mais umas centenas de coroas, dos tabuleiros, quando em 2019 os mesmos sairem à rua. António Freitas (com fotos do livro)