As Primeiras Jornadas da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) Sertã realizaram-se a 21 de novembro, em jeito de celebração do 35º aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança, na Casa da Cultura da Sertã. Sob o tema “O Futuro é Agora! Crianças e Jovens agentes de Mudança”, debateram-se temas pertinentes e atuais, que despertaram a atenção de uma plateia cheia. Mas antes de se iniciarem os painéis expositivos, as jornadas abriram com um momento artístico: sendo os jovens agentes de mudança, subiram ao palco alguns dos novos talentos da Filarmónica União Sertaginense. Carlos Miranda, Presidente da Câmara Municipal da Sertã, não quis deixar de elogiar o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pela CPCJ, nomeadamente a da Sertã, notando o seu papel “absolutamente decisivo e fundamental para a estruturação da sociedade”, quando muitas vezes representa “a última rede na queda para o precipício”. Baseando-se no título do livro “O que Se Passa na Infância Não Fica na Infância”, o presidente destacou a importância basilar da infância na construção de uma identidade, e consequentemente, de uma sociedade. Para ilustrar este seu pensamento, recorreu ao poema “Blue Bird” de Charles Bukowski, referindo que este pássaro azul está intimamente ligado à infância, e que é papel de todos nós, enquanto sociedade “de ajudar a criar e a alimentar esse pássaro azul que está dentro de todas as crianças e de todos os jovens, para que esse pássaro seja estrutura e conforto. Que não seja uma voz que traga dor, medo, angústia ou vergonha, mas sim uma voz de confiança, de serenidade, de equilíbrio, que nos oriente e nos dê força no caminho para a felicidade”. Ilda Bicacro, presidente da CPCJ Sertã, por sua vez, realçou os planos e atividades que têm vindo a ser desenvolvidos na Sertã por esta comissão, especialmente no que concerne ao respeito e enaltecimento dos direitos fundamentais das crianças. De acordo com a presidente desta entidade, é através da defesa e da garantia desses direitos fundamentais que é possível criar “um mundo harmonioso e que propicia a todos bem-estar, construindo territórios e comunidades desenvolvidas”, porque realmente “o que acontece na infância não fica na infância”. Sobre a organização destas primeiras Jornadas, a presidente da CPCJ Sertã revelou que há novos desafios reconhecidos na infância e juventude, que convocam por isso a “momentos de aprendizagem, de reflexão, de debate e de procura de novas competências” que permitirão “acompanhar, enriquecer, resolver problemas e educar” as crianças e jovens, “proporcionando-lhes um desenvolvimento pessoal e social harmonioso”. Ainda durante a sessão de abertura, Inês Coutinho, em representação da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), realçou a necessidade de mudar o paradigma, de quebrar barreiras e preconceitos. Dizer que “as crianças de hoje são os adultos de amanhã”, é redutor, porque de facto, como defende o mote destas Jornadas, “O Futuro é Agora”. Defendeu ainda a ideia de uma cultura comunitária que se envolva ativamente na proteção dos direitos das crianças, porque “quando promovemos direitos também os estamos a proteger”.
Após este primeiro enquadramento teórico e académico, seguiram-se os vários painéis do dia. No primeiro, foram oradores Tito de Morais e Cristiane Miranda, criadores do projeto “Agarrados à Net”. Este projeto, conforme contaram, surgiu da “observação diária de que todos estamos sempre agarrados ao telemóvel, à internet, e que isto é uma situação que já é visível também em crianças pequenas”. Em conversa, os dois criadores do projeto perceberam que deveria existir “alguma coisa que ajudasse os pais a gerir melhor o tempo que os seus filhos passam online”. E se inicialmente surgiu apenas com a vertente da “prevenção do uso excessivo e problemático dos ecrãs”, rapidamente se aperceberam que este problema acarretava outros subjacentes. A partir daqui, começaram também a trabalhar o impacto negativo que as redes sociais têm, tanto em jovens como em adultos, na autoestima e no bem-estar; a prevenção da violência sexual baseada em imagens; os desafios virais perigosos que podem ter consequências muito graves; os impactos negativos da pegada digital que é deixada através da utilização das várias ferramentas e, no bullying e cyberbullying. Este foi, aliás, o tema central trazido ao palco da Casa da Cultura, e que levou toda a plateia a debater-se ativamente sobre que temas podem ou não ser considerados bullying. A este propósito, Tito de Morais e Cristiane Miranda fizeram uma série de perguntas onde pretendiam saber a opinião dos jovens, sobre se determinada situação pode ou não ser considerada bullying (como por exemplo chamar “nomes” ao colega, ser sempre o último a ser chamado para atividades, nudes que vão parar à internet, entre outras situações), explicando cada uma delas, à luz das características propostas pela UNESCO para caracterizar / definir este tipo de violência. Inês Coutinho, que já tinha discursado na sessão de abertura, apresentou o terceiro painel do dia. Ao explicar “O Papel das CPCJ’s na promoção dos Direitos e na Proteção de Crianças e Jovens”, traçou um resumo do caminho percorrido até agora em questões legais sobre esta matéria de proteção de crianças e jovens. Além das questões legais, Inês Coutinho explicou também as principais funções da CPCJ, assim como as suas modalidades, formas de atuação e intervenção. A este propósito, elucidou que a intervenção desta instituição apenas acontece quando os pais, “primeiros responsáveis pelo bem-estar e promoção dos direitos das crianças”, não conseguem, por algum motivo, assegurar esta garantia, intervindo apenas “com o consentimento dos pais e a não oposição das crianças”. A representante da CNPDPCJ voltou a referir, agora de forma mais explicativa, o papel da comunidade como agente protetor dos direitos das crianças, sendo a base de uma pirâmide do sistema de proteção. Ressalvou ainda a importância de transformar palavras em ações, ou seja, na importância e emergência de agir pois, como conclui, “mais do que falar de direitos, temos cada vez mais de refletir na forma como eles vão ser concretizados”.
Dando seguimento a este painel, Diana Fernandes, Procuradora do Ministério Público, falou sobre “O Sistema de Proteção de Crianças e Jovens”, especialmente no que toca ao papel dos tribunais no sistema de proteção de crianças e jovens. Elucidou a este propósito, que estes, embora sejam sempre vistos com “maus olhos”, funcionam mais como apoio, que “não trabalha nem decide sozinho mas sempre em sintonia com o conjunto de entidades e técnicos envolvidos com a criança”. A Procuradora do Ministério Público realçou também o papel pertinente e fulcral da comunidade, como agente da mudança e precursor dos direitos fundamentais da criança. “Estar a ver o problema a acontecer e não fazer nada é igual a agredir”, elucidou Diana Fernandes. Os painéis expositivos das I Jornadas da CPCJ regressaram da parte da tarde com a intervenção de Mariana Reis, cofundadora da Mirabilis Portugal – uma associação que se dedica à sensibilização de jovens, pais, professores, empresas e também do Governo para o impacto dos ecrãs na saúde e na educação. A exposição excessiva a ecrãs influencia o sono, quer pela estimulação cerebral quer pela emissão de luzes azuis, além de prejudicar diretamente a saúde – os jovens “deixam de fazer desporto, que tantas competências traz”. Como o tempo passado em frente a ecrãs é tanto, deixa de haver espaço para coisas que fazem falta: “o contacto com a natureza, o aborrecimento – o saber estar sem estímulo” e, em casos mais extremos, a própria vinculação à família. Seguiu-se Margarida Mesquita, docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), e membro integrante do CIEG – Centro Interdisciplinar de Estudos de Género, que se focou nas (des)igualdades de género nos processos encaminhados pelas CPCJ. A este propósito, apresentou dados de um estudo que realizou, que permite distinguir, por género, as problemáticas acompanhadas por esta Comissão. A título de exemplo, referiu que que processos de abuso sexual têm na sua maioria vítimas do sexo feminino, enquanto que o sexo masculino predomina em processos iniciados por um comportamento desviante.
Terminados todos os painéis expositivos, os seus oradores reuniram-se em palco para uma mesa redonda. Com moderação de Tânia Mateus, psicóloga da Câmara Municipal da Sertã, e de Sónia Santos, diretora da creche O Pinheirinho, aqui foram reforçados todos os temas anteriormente debatidos, através de uma sessão explicativa com perguntas e respostas. A encerrar este dia de partilha de conhecimentos, reflexão e debate em torno dos agentes de mudança do futuro que é já hoje, o grupo de Hip Hop Dance Club demonstrou o seu talento para a dança. Estas primeiras jornadas, organizadas pela CPCJ Sertã com a parceria do Município da Sertã, contaram com o apoio da CNPDPCJ (Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens), AES (Agrupamento de Escolas da Sertã), ETPS (Escola Tecnológica e Profissional da Sertã), IVS (Instituto Vaz Serra), GNR (Guarda Nacional Republicana) e do Ministério Público.